21.2.06

Opiniões alheias








"Já faltou mais para que um dia destes tenha de passar à clandestinidade ou, no mínimo, tenha de me enfiar em casa a viver os meus vícios secretos.
Tenho um catálogo deles e todos me parecem ameaçados:

sou heterossexual «full time»;

fumo, incluindo charutos;

bebo;

como coisas como pezinhos de coentrada, joaquinzinhos fritos e tordos em vinha d'alhos;

vibro com o futebol;

jogo cartas, quando arranjo três parceiros para o «bridge» ou quando, de dois em dois anos, passo à porta de um casino e me apetece jogar «black-jack»;

não troco por quase nada uma caçada às perdizes entre amigos;

acho a tourada um espectáculo deslumbrante, embora não perceba nada do assunto;

gosto de ir à pesca «ao corrido» e daquela luta de morte com o peixe, em que ele não quer vir para bordo e eu não quero que ele se solte do anzol;

acredito que as pessoas valem pelo seu mérito próprio e que quem tem valor acaba fatalmente por se impor, e por isso sou contra as quotas;

deixei de acreditar que o Estado deva gastar os recursos dos contribuintes a tentar «reintegrar» as «minorias» instaladas na assistência pública, como os ciganos, os drogados, os artistas de várias especialidades ou os desempregados profissionais ;

sou agnóstico (ou ateu, conforme preferirem) e cada vez mais militantemente, à medida que vou constatando a actualidade crescente da velha sentença de Marx de que «a religião é o ópio dos povos»;

formado em direito, tornei-me descrente da lei e da justiça, das suas minudências e espertezas e da sua falta de objectividade social, e hoje acredito apenas em três fontes legítimas de lei: a natureza, a liberdade e o bom senso.

Trogloditas como eu vivem cada vez mais a coberto da sua trincheira, numa batalha de retaguarda contra um exército heterogéneo de moralistas diversos:

os profetas do politicamente correcto,

os fanáticos religiosos de todos os credos e confissões,

os fascistas da saúde,

os vigilantes dos bons costumes ou

os arautos das ditaduras «alternativas» ou «fracturantes».

Se eu digo que nada tenho contra os casamentos homossexuais, mas que, quanto à adopção, sou contra porque ninguém tem o direito de presumir a vontade «alternativa» de uma criança, chamam-me homofóbico (e o Parlamento Europeu acaba de votar uma resolução contra esse flagelo, que, como está à vista, varre a Europa inteira)(...)."


Excerto de crónica ("Cerco") de Miguel Sousa Tavares no jornal Expresso.

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