23.2.06

A RUC na minha vida e a minha vida na RUC



Se existe algum sentimento de pertença a Coimbra, cidade onde nasci mas com a qual nunca me identifiquei, esse sentimento devo-o à RUC. Sendo uma criatura peculiar, para o bem e para o mal, ter entrado para a Rádio Universidade de Coimbra acabou por ser uma das experiências mais definidoras da minha vida. Foi uma luta – quando entrei, em 95, os caloiros não tinham muito apoio e tinham que se desenrascar e mostrar o que valiam, com a faca entre os dentes. Havia aquela coisa da aprovação dos mestres. As minhas referências eram pessoas como o Pedro Arinto e o António Silva, que faziam rádio com uma perna às costas: com prazer, técnica e cultura. Eramos todos uns putos, mas uns mais do que outros. Levou o seu tempo até encontrar o meu lugar, nunca desisti e a RUC recompensou-me de todas as maneiras que podia. Conheci um pouco da vida, lá dentro – do bom ao muito mau –, conheci e aprendi a respeitar outras mentalidades, maneiras de estar, gostos, que se reflectiam, quase sempre, na forma de fazer rádio. Aprendi o valor da comunicação (e um bom bocado de como a melhorar), desenvolvi a escrita para mil e uma rubricas, atirei-me de cabeça àqueles microfones, àquela mesa e aprendi a domá-los; partilhei ideias, pusemos muitas em prática, ri-me como nunca me tinha rido e como dificilmente voltarei a rir. Responsabilizei-me, disciplinei-me, aprendi a camaradagem e a colaboração. A RUC tornou-se a minha educadora, a minha família e o meu abrigo. Resgatou-me a um curso irremediavelmente chato e a uma cidade que me oprimia. Permitiu-me ser criativo, deu-me liberdade; frustrou-me e irritou-me, muitas vezes – virava-lhe as costas com frequência... para voltar sempre, com mais pica. Deu-me amigos de valor inestimável... Mais tarde fez-me sentir, também, um bocadinho ‘tutor’. Vivi quase tudo lá. O trajecto de iniciação, a aceitação, o ser olhado com respeito ou com antipatia, o passar conhecimentos aos mais novos. Tudo se misturou: músicas, vozes, filmes, estilos, conversas, emoções ao rubro, conhecimentos, muitas pessoas, festas académicas (que de outro modo teriam sido ignoradas), concertos, botões, cursos, mais botões e micros, régie, CDs com as caixas rachadas e as etiquetas gastas do uso por todo aqueles entusiastas, plenários intermináveis, gravações fora-de-horas, grelhas novas – entre o regabofe e a dedicação cega: directas, directas... – , textos e mais textos, programas da manhã a cair de sono, emissões especiais, passatempos, pessoal a ligar para dar os parabéns ou para insultar o nosso gosto imperial... E a malta, aquela malta que sabia que fazer parte da RUC era um privilégio e que esse privilégio tinha que ser mostrado e preservado. Eu sei, porque o senti, sempre. Quando percebi que tinha de partir, quis fazer as coisas de forma radical, porque se não o fizesse, seria mais doloroso e a minha identidade continuaria a confundir-se com a da RUC.

E hoje, olhando para trás, em grande medida confunde-se.

20 anos de vida. 20 anos sempre no ar. Parabéns!

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