21.3.06

Os nossos valores: Rita Guerra



Rita Guerra atingiu recentemente o estrelato depois de há muitos, muitos anos, ter sido apontada como uma das vozes emergentes do panorama artístico nacional. Sinceramente não me lembro – e não me dei ao trabalho de verificar - se Rita foi uma dessas provetas cuspidas por concursos de talento de má memória, mas sei que editou um álbum com o profético título de Pormenores Sem a Mínima Importância. As razões para o reaparecimento discográfico de Rita Guerra e seu subsequente sucesso comercial (dupla platina em Portugal), permanecem um relativo mistério. Após demasiados serões de estertores vocais, a menear o esqueleto talhado pelo cardio-fitness no palco do Casino Estoril, esmagada pelo talento visonário de Júlio César, forçada a adquirir todos os tiques vocais de um pelicano no cio e um repertório limitado de poses de diva, Rita tentou fugir da jaula e reivindicar o lugar de leoa do nacional-cançonetismo. Mas não se pode ser diva só à custa de pechisbeque e muita laca, pelo que a nossa aspirante continuou a snifar o pó do Casino até que o seu momento chegou, junto do congénere Beto. O sucesso de um foi desaguar na outra, como só é possível nas paisagens fértis da Bimbolândia. Aqui a temos, deglutindo e arrotando, em simultâneo, as combinações mais primárias da escala melódica, com o credo para-cima-e-para-baixo-para-baixo-e-para-cima-agora-aguenta-que-é-fadista, amarfanhando em comoção lírica os rabiscos do gajo que teve a ousadia de conceber: “No dia em que te foste embora, anoiteceu / Desde esse dia nunca mais amanheceu / E sei que desde então... / Vivo na escuridão”. Está gravado. Há testemunhas.

Se acaso alguém viu o vídeo de um dos hinos à Mãe Sopeira Universal, nos incontornáveis ecrãs do metro, pôde constatar que o assalto visual ao mainstream se fez em torno da barriguinha rotativa e do piano branco de cauda, com muitos ralentis e fast-forwards, a explorar as possibilidades da DV do Zé Manel. O “Babooshka” foi realizado há 27 anos, bebé.

Pelo que pude perceber, Rita está à espera de muita coisa: do sol, do mar, da lua, do universo, das tostas e da pasta de sardinha, da luz divina, de ti, de mim, de quem a apanhar e do amor... Sobretudo do amor. Quase todas as rimas são feitas com verbos regulares da 1ª conjugação, provavelmente pelo filho pré-adolescente. Eu também espero muita coisa: que a cantadeira, de tanta luz, apanhe um escaldão no abdómen, que o piano de cauda lhe caia em cima do toutiço ou que tenha orçamento para um pôr do sol e muitos corcéis brancos no próximo vídeo. Com sorte passa-lhe um cavalo por cima daquelas cordas vocais tão solenes e hirtas. Vender aulas de pilates com a desculpa de que se faz música parece ser o propósito de Rita Guerra e Cia. Pois eu digo que a Rita devia ser oferecida em fascículos com a Mulher Moderna e acabava-se o assunto.

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