25.6.07

Os olhos de Kate Moss





Há uns dias, folheando as páginas finais de uma Vogue americana, onde as celebridades se deixam ver em cumplicidades estudadas com luminárias da moda, naquelas ocasiões festivas que quase sempre levam designações importadas (vernissage, cocktail, première, event, week, etc.), reparei numa foto de Kate Moss, acompanhada de já não me lembro quem. Fixei-me especialmente nos olhos da bela. E o que vi? Um olhar baço, desvitalizado, sem expressão. Reparei que essa era uma característica recorrente nas fotos de Moss e uma das razões pelas quais, apesar da sua proeminência no consciente popular, ela sempre me foi absolutamente indiferente. Eu que sou um gajo de sentimentos e sensações extremados nunca senti rigorosamente nada por alguém que é um ícone para muitas pessoas e símbolo de muitas coisas. Nunca indaguei quais, até recentemente. Fi-lo para perceber por que motivos um fenómeno duradouro do planeta moda, capaz de se desdobrar em campanhas aos mais diversos artigos, em desfiles para os mais sincréticos criadores, de figurar na capa de dezenas de publicações (até como imagem de campanhas institucionais), de cair em desgraça e recuperar a pose sem estardalhaço, de namorar com Pete Doherty… me passou sempre ao lado como uma brisa inócua de fim de tarde, daquelas que nos acariciam com inefável discrição. Moss era um artigo bonito, nem bom nem mau. Mas ao ver aquela foto tive uma epifania. É a sua ausência de alma, a transparência indolente daqueles olhos verdes-nada que lhe conferem autoridade sobre a concorrência e sobre todos nós, hedonistas de pechisbeque, que exibimos, abanamos, cobiçamos, agarramos e devoramos. Não existe nenhuma voracidade libidinosa em Kate Moss. Nenhum mistério escondido. Nenhuma intenção declarada de agradar. Nenhuma vontade especial de coisa nenhuma. Existe um olhar vago e desprendido, que recebe e devolve todas as captações com indiferença impávida, nem insultuosa nem arrogante. Só vítrea. Com um eventual sorriso. Kate Moss percorre e ocupa o seu espaço certo com uma carnalidade etérea, um chapéu bonito e um vestido justo, desprendendo a densidade amável de uma brisa.

Que desperdício de verde.

Não imaginava, então, que havia autênticos ensaios académicos sobre a beldade, mas dei de caras com alguns. De forma a sustentar aquilo que constatei, transcrevo um pedaço do que um senhor “Mike” refere no site acima lincado, em Setembro de 2005. Curiosamente, a sua interpretação é totalmente díspar da minha, mas também não a contradiz. Neste site podem encontrar longas e fastidiosas elucubrações sobre Kate Moss e os seus encantos. Eu fico-me pelos faróis apagados.

"I suspect that Moss is so appealing to women largely because she refuses to give that look. She is not there to make the viewer of her image feel comfortable, still less desirable or interesting. The glamour model either looks to camera smoulderingly or gives the impression of being demurely caught unawares. Moss does neither. She always radiates an easy awareness that she is being photographed, but doesn't seem especially interested in who is seeing her or the fact that she is seen. Her particular art is the cultivation of a look to camera that verges on the disdainful and the contemptuous, but never amounts to outright confrontation. It is almost as if she is fully aware of the camera (and therefore of us) but that, even when she looks directly at 'us', she looks through us, past us, fixating on something just over our shoulders. The challenge this poses is no longer the shock of the object talking, as it was with Grace Jones, because Moss, famously, does not speak."

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