3.7.07

Bota abaixo

















Devia exigir-se um referendo. Quanto a mim, faltam aqui (*) vários outros mamarrachos, embora de bom grado desse o meu voto à taveirada decadente que se impõe sobre Lisboa há mais de 20 anos. Lembro-me de uma senhora dona tia professora de matemática, com voz de cana particularmente rachada, nos dar um sermão sobre os “anti-progressistas” que cascavam no complexo comercial e habitacional das Amoreiras, garantindo que o tempo daria razão àqueles que reconheciam o génio visionário de Tomás Taveira. Isto foi na Escola Eugénio de Castro, em tempos muito idos, mas lembro-me bem, não sei porquê. Dado tratar-se de uma aula de matemática, terá sido a única vez que lhe prestei atenção. Ciente do chumbo garantido, passava o tempo a tentar alhear-me do zumbido incessante produzido por aquela glote infernal, assassinando figuras geométricas, escrevendo bilhetinhos a mim próprio e antecipando o momento especial do dia, atrás do ginásio, em que levaria a dose de porrada mandatória do facínora de serviço, depois da aula de Educação Física. Ou antes, dependia da disposição do sujeito. Que podia eu fazer contra um gandulo de 17 anos, filho de camionista? Um pobre ribatejano de 13, assustado e sem claque… Recordo-me também da dita professora me chamar ao quadro logo no início do ano, mas me ter mandado sentar pouco depois, convencida de que eu era narcoléptico. Enfim… As taveiradas mais populares não eram ainda do conhecimento público, por isso estas dondocas ousadas de gostos esotéricos opinavam com gosto e convicção. Acho muito bem, quer dizer, a senhora lá tinha os seus problemas. Mas não, não creio que o tempo lhe tenha dado razão, e aquelas duas torres de controlo de tráfego aéreo espetadas na colina espelham bem (literalmente) o desregramento e os atropelos caciquistas no planeamento urbanístico daquela época, cortesia de Krus Abecassis. As Amoreiras tiveram a sua maior projecção na “Vila Faia” e, de facto, têm tanta relevância no panorama cultural português quanto uma novela da NBP. Infelizmente, e até se botar abaixo, não vão cair no esquecimento. Os anos passaram, crimes maiores ou menores foram sendo cometidos, e agora, subjugados pelo peso da fealdade, podemos apenas sonhar com lindas e depuradoras implosões. A escolha é pessoal, mas aqui fica, ao vosso critério.

(*) Ideia exposta na Trienal de Arquitectura de Lisboa, no Pavilhão de Portugal.

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