5.2.09

Promessas ao virar da esquina



April espera muito da vida. Mas não tem convicções verdadeiras, apenas impressões vagas do que a felicidade deverá ser. April quer superar-se, mas não se encontra nem consegue andar pelos seus próprios pés. Projecta no marido um mundo de possibilidades que se revelam cruelmente vãs. Uma e outra e outra vez. April sufoca no lugar que lhe coube. Percebe que a vida é mais forte que ela. April não verga nem muda. Não tem forças para entrar no mundo e não aceita ficar de fora. April esperou demasiado para aquilo que podia retribuir.

Dos vários filmes que vi com a neurose da América suburbana por tema, há um que me ficou na memória pela secura com que abordava a dissolução do amor-próprio, o esvaziamento relacional e a ausência de valores: The Ice Storm, de Ang Lee. E agora, um outro que não esquecerei facilmente: Revolutionary Road, de Sam Mendes, adaptação da obra homónima de Richard Yates. Um filme directo e cortante, onde não há heróis nem vilões, não há indivíduos memoráveis ou actos redentores, de onde não se retira nenhuma moral conveniente. Não há sequer uma grande história para contar. Há apenas isolamento e incomunicabilidade que se espalham progressivamente como um grande, grande espectro cinzento (pior, beige) sobre todas as acções, ilusões e repetidos fracassos. Há o rosto transparente, penoso, de Kate Winslet.

Revolutionary Road é um understatement de Mendes. Não é um grande filme porque aqui não cabe um grande filme. Cabe um retrato cru da banalidade opressiva, de um certo mundo e de um certo tempo. Já é altura de os senhores doutores críticos do Ípsilon, do alto da sua caganeira opiniosa, repensarem a expressão do seu talento e da sua utilidade, que são nenhuns, e deixarem de dizer coisas como “Sam Mendes, um realizador sobrevalorizado”, que fez umas coisitas engraçadas, assim só por acaso, como American Beauty. Se gostas de cinema e tens uma vaga noção do que dizes, devias era já fumigar esse cérebro, que está cheio de bicho.

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